data-filename="retriever" style="width: 100%;">A respeito do que agora escrever? Da Música - arte -, ou do Direito, prudência? Aristóteles ensinou-me que o princípio de existência da arte está no artista, não na coisa produzida. A arte não se ocupa com as coisas que são ou se geram por necessidade. Nem com os seres naturais, que encontram em si mesmos seu princípio.
O Direito, ao contrário, não é ciência nem arte, é prudência. Capacidade, acompanhada de razão, de agir na esfera do que é bom ou mau para o ser humano. Razão intuitiva que não discerne o exato, porém o correto. Por isso, há sempre, no texto da Constituição e das leis, mais de uma solução correta a ser aplicada a cada caso, nenhuma exata.
Entre a Música e o Direito há, contudo, certa semelhança já que ambos são alográficos, reclamando um intérprete: o intérprete da partitura musical, de um lado; o intérprete do texto constitucional ou da lei, de outro.
Das artes há dois tipos: as alográficas e as autográficas. Nas primeiras [música e teatro], a obra apenas se completa com o concurso do autor e de um intérprete; nas autográficas [pintura e romance], o autor contribui sozinho à realização da obra. Em ambas há interpretação, mas distintas uma e outra.
A interpretação da pintura e do romance envolve unicamente compreensão de quem olha ou lê. A obra é completada, no seu todo, pelo autor. Sua fruição estética independe de qualquer mediação.
Diversamente, a música e o teatro demandam compreensão mais reprodução: a obra reclama, para que possa ser esteticamente fruída, além do autor um intérprete que compreenda e reproduza a partitura musical ou o texto da peça teatral.
A fruição estética que a obra enseja é alcançada mediante a compreensão/reprodução do intérprete.
O Direito é alográfico. O texto normativo não se completa no quanto tenha escrito o legislador. Sua completude somente é alcançada quando o sentido por ele expressado for produzido, como nova forma de expressão, pelo intérprete. O sentido expressado pelo texto é distinto do texto. É a norma que resulta da interpretação. O intérprete produz a norma a ser aplicada a certos fatos. A interpretação do Direito é mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação em cada caso.
Pois é exatamente aí que música e direito se apartam. Os músicos interpretam partituras visando à fruição estética. Os juízes interpretam textos normativos vinculados pelo dever de aplica-los, de sorte a proverem a realização de ordem, segurança e paz.
O intérprete musical interpõe-se entre o compositor e a plateia. Para os juízes, no entanto, não há plateia alguma. Ainda que, em determinados tribunais, certos juízes se excedam em figuras literárias, demoradamente, em êxtase de si mesmos...